11 outubro, 2007

Requiem por um hospital de crianças








In, JN 10 Out. 07

Como os homens, também as instituições nascem, crescem e morrem. Criadas pelos homens, feitas para os homens, é ainda o mesmo homem que lhes põe fim, tantas vezes condicionado por circunstâncias anómalas onde um rosário de razões tenta ocultar interesses mesquinhos, visões sectárias ou avaliações tendenciosas.

O diploma do Governo que há bem poucos dias determinou a integração do velho hospital de crianças Maria Pia, num vagamente denominado Centro Hospitalar do Porto, é um exemplo gritante de como pode pôr-se termo a uma instituição cheia de carácter, com um notável percurso histórico, folha de serviços riquíssima e sobretudo com um invulgar património de sabedoria e pedagogia.

Criado num tempo em que os meios e a técnica eram muitos reduzidos, pouco mais havia para proteger e tratar as crianças do que a boa vontade e a solidariedade dos homens. Ao longo de um século, com a ajuda da cidadeque o viu nascer e ajudou a crescer,o Hospital Maria Pia enfrentou várias crises mas sobreviveu, tendo mesmo sido o epicentro da assistência pediátrica qualificada e altamente diferenciada, graças à respeitadíssima Comunidade Franciscana de Maria e a um corpo clínico distinto e bem preparado, enquanto emergiam vários serviços pediátricos no Norte.

Durante as últimas quatro décadas, entre muitos recuos, hesitações e promessas não cumpridas, com discussões exaltadas e muita polémica à mistura, a questão da sua substituição por um edifício moderno e bem apetrechado foi-se arrastando numa espécie de cisma, chegando mesmo a ter direito a debate na Assembleia da República.

Por último, mercê dum arremedo democrático, prática e táctica tão característica dos nossos políticos profissionais, foram convidados a opinar dezenas e dezenas de especialistas. Um bodo! Ao que consta, só não ouviram o Harry Potter e o dr. Lourenço Gomes, director do serviço de Pediatria Médica, alma-mater da organização, o que não deixa de ser sugestivo!...Mas, pelos vistos, se os preliminares foram fracos, as conclusões são bem piores.

Ao invés do que havia sido anunciado pelo próprio ministro da tutela, que algumas vezes tem tomado atitudes corajosas e de alguma lucidez, este membro do Governo tira agora o nome ao hospital, despe-o das suas roupagens e competências, desmembra-o e reparte-o pela cidade, uma tentativa de enxertos heterólogos que como se sabe raramente dão resultado.

Consumado o despacho que a breve trecho a História demonstrará ter sido um erro, e enquanto não for conhecido o seu epitáfio, resta-nos olhar a cidade, ora mais pobre porque subtraída do seu hospital de crianças, e auscultar os seus ruídos e protestos ... que são nenhuns!

De facto, o Porto que tanto se orgulha dos seus pergaminhos, mui nobre, sempre leal e invicta cidade, refúgio de poetas e perseguidos políticos, parece ter mudado de rumo e sentimento, transferindo os seus afectos e preocupações para os ícones e combates desportivos. Palpita-me que se o Padre Américo cá voltasse, em vez de repetir o celebérrimo "Porto, Porto, tão tarde conheci" havia agora de dizer, "Porto, Porto como tu estás tão diferente".

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